Maringa / PR - quinta-feira, 28 de março de 2024

Eletroneuromiografia & Neuropatia Periférica

Neuropatias Agudas

Polineuropatia e Mononeuropatia Múltipla

 

 

 

 

Diagnóstico Clínico e Eletrofisiológico

 

 

A tabela 1 mostra as principais polineuropatias e mononeuopatias múltiplas com apresentação aguda, neste grupo, a neuropatia mais importante é a Sd de Guillain Barré. O diagnóstico seqüencial destas neuropatias, encontra-se bem delineado nos critérios originais propostos por Asbury e Cornblat (1990), descritos abaixo. A tabela 1 e o texto introdutório que se segue permitem o entendimento deste diagnóstico em etapas com bastante clareza.

 

 

Tabela 1 . Neuropatias com apresentação aguda (modificado e ampliado a partir de Hughes (2002)

 

Neuropatia

Predominio motor

Mista

Predominio sensitivo

Simetria

Axonal

desmielinizante

Guillain­Barré  desmielinizante

+

+

S

D

Guillain­Barré  axonal

+

+

S

A

Vasculites

+

AS > S

A

Diabetes mellitus

+

+

A

A

Drogas*

+

+

S

A

Porfiria

+

S e A

A

Diphtheria

+

S

D

Neuropatia paraneoplasica

+

+

S

A

Neuropatia sensitiva aguda

+

S

A

Neuropatia das doenças críticas

+

+

S

A

 

AS = assimétrica, S = simétrica, A = axonal, D = desmielinizante

* Por exemplo, nitrofurantoina, vincristina, cisplatina, e inibidores da transcriptase reversa

 

 

 

A Síndrome de Gullain Barré é neuropatia aguda típica caracterizada por uma déficit motor progresssivo por até 4 semanas, simétrico, com poucos sintomas sensitivos. Abaixo encontra-se discriminados os critérios diagnósticos da SGB propostos por Asbury ak e cornblath dr (1990). A análise seqüencial destes critérios permite na prática solucionar em etapas a maioria das dificuldades relacionadas ao diagnóstico diferencial das neuropatias agudas discriminadas na tabela acima.

 

 

Neuropatia das Vasculites Sistêmicas. NVS geralmente têm início agudo apresentando-se como mononeurite múltipla em 50% dos casos, polineuropatia assimétrica em 25% e polineuropatia distal simétrica em 25%; desta forma a assimetria é marcante neste grupo de neuropatias, diferenciando em parte as NVS das demais neuropatias simétricas. A neuropatia em geral é dolorosa, com 90% dos casos mostrando envolvimento sensitivo e motor e em 10% com envolvimento sensitivo; neste caso deve-se considerar a probabilidade de vasculite de pequenos vasos. Nas NVS o nervo peroneal é o mais envolvido nos MMII e o nervo ulnar nos MMSS. Raramente uma neuropatia assimétrica indolor, motora e com envolvimento proximal será uma vasculite. As neuropatias por vasculites, são neuropatias que dispõem de tratamento com bons resultados e caso não sejam tratadas podem apresentar curso bifásico ou mesmo polifásico

 

Neuropatia de doença crítica. Neuropatia axonal sensitiva e motora que se desenvolve em pacientes previamente sem quadro de doença neuromuscular e que encontram-se em geral em ambiente de UTI, septicemia, falência de múltiplos órgãos etc. Nota-se dificuldade de desmame da ventilação mecânica, reflexos hipoativos, graus variáveis de paresia flácida podendo haver atrofia (pode ser obscurecida por edema). Existe dificuldades de exame da sensibilidade em função do reduzido nível de consciência decorrente das patologias de base, assim como por sedação medicamentosa. Desta forma alterações sensitivas como hipoestesia global e parestesias podem ser notadas somente após recuperação.

 

Neuropatias agudas do diabetes e hipoglicemia. Neuropatia diabética dolorosa é rara e deve ser suspeitada quando o paciente têm uma perda de peso importante acompanhada de dor em queimação localizada principalmente nos pés. Em geral há uma hiperalgesia importante quase sem paresia ou perda sensitiva. Em alguns casos mais raros pode apenas quadro doloroso sem perda de peso; outros tipos mais raros incluem aqueles nos quais os sintomas dolorosos manifestam-se com o início da terapia com insulina para o DM. Neuropatia motora aguda em diabetes deve ser diferenciada da Sd de Guillain Barré, uma vez que os pacientes diabéticos aparentemente são mais suscetíveis a este tipo de neuropatia e melhoram com imunoglobulina EV. Hipoglicemia também é uma causa de neuropatia aguda sensitiva e motora com predomínio sensitivo, neste caso pode ser detectado um insulinoma; não é nescessária a presença de diabetes

 

Na polirradiculoneuropatia crônica, temos evolução inicial similar à SGB com um prolongamento da progressão do déficit motor além de 6 semanas (subaguda),  podendo também chegar a uma debilidade total incluindo insuficiência respiratória caso não tratada.

 

 

 

 

Critérios diagnósticos da Síndrome de Guillain Barré

Asbury ak e cornblath dr. 1990.

 

 

I - Achados requeridos para o diagnóstico

 

Redução de força muscular progressiva em mais de um membro. O déficit pode variar em intensidade desde uma fraqueza mínima dos membros inferiores, com ou sem ataxia discreta, a uma paralisia total dos músculos dos 4  membros e do tronco, paralisia bulbar e facial e oftalmoplegia externa

 

Arreflexia (ausência dos reflexos de estiramento). Arreflexia é a regra universal mas arreflexia distal, associada a hiporreflexia bicipital e patelar, podem ser suficientes para o diagnóstico, caso os demais achados clínicos sejam consistentes.

 

 

II – Achados que reforçam o diagnóstico

 

A-    Achados Clínicos

 

Progressão. Os sintomas e sinais evoluem rapidamente, cessando sua progressão após 4 semanas do início de déficit. Aproximadamente 50% dos casos completam o déficit máximo em duas semanas, 80% em três e mais de 90% em quatro.

 

Simetria relativa. Simetria absoluta é rara, mas, em geral, quando um membro está  comprometido, o seu membro contralateral também estará

 

Sinais e sintomas sensitivos são discretos.

 

Comprometimento de nervos cranianos. Paresia a paralisia facial ocorre em cerca de 50% dos casos, sendo em geral bilateral. Outros nervos cranianos podem ser comprometidos, particularmente aqueles que inervam a língua e os músculos da deglutição e musculatura extra ocular. Ocasionalmente (menos de 5% dos casos) a síndrome pode iniciar-se com acometimento da musculatura ocular extrínseca ou de outros nervos cranianos.

 

Recuperação. Em geral inicia-se duas a quatro semanas após a parada da progressão, podendo durar meses. A maioria dos pacientes se recupera funcionalmente.

 

Disfunção autonômica. Taquicardia e outras arritmias, hipotensão postural, hipertensão e sintomas vasomotores, se presentes, reforçam o diagnóstico. Os achados autonômicos podem ser flutuantes; deve-se ter cuidado em excluir diferentes etiologias para tais sintomas tal como embolia pulmonar.

 

Ausência de febre no início dos sintomas .

 

Variantes (descritas sem ordem de importância)

 

  • Febre no  início dos sintomas Déficit sensitivo grave com dor.
  • Progressão com duração maior que quatro semanas.  Raramente a síndrome progredirá algumas semanas além da quarta, podendo também o paciente apresentar ma recaída.
  • Parada da progressão não havendo recuperação ou apresentando um déficitresidual  permanente e significativo
  • Função esfincteriana. Em geral não há comprometimento esfincteriano, podendo entretanto ocorrer paralisia transitória da bexiga no curso evolutivo dos sintomas.
  • Comprometimento do SNC. Trata-se de um quadro controverso. Raramente uma ataxia severa do tipo cerebelar, disartria, sinal de Babinski e níveis sensitivos não muito bem definidos podem ser evidenciadas, não excluindo do diagnósticos de SGB se os demais sintomas são compatíveis.

 

B – Achados no líquido cefalorraqueano que confirmam o diagnóstico

 

Proteína do LCR. Após a primeira semana a proteína liquorica eleva –se , assim como evidencia incrementos sucessivos, em punções liquóricas seriadas.

 

Células do LCR.  Contam-se,  10 ou menos mononucleares.

 

Variantes.

 

  • Ausência de elevação da proteinorraquia (rara)
  • LCR apresentando entre 10 e 50 cels / ml (ocorre em AIDS)

  

C – Achados eletrofisiológicos.  Estes critérios não fazem parte do texto original de Asbury e Cornblat; eles definem anormalidades acima (LSN) e abaixo (LIN) dos limites inferiores e superiores da normalidade conforme definições de AAN (1991), Nicolas  G et al (2002) e Saperstein DS et al (2001). Das 4 anormalidades citadas, 3 delas  devem estar presentes em 2 ou mais nervos excetuando-se o bloqueio de condução que pode estar presente em 1 nervo.

 

  • Bloqueio de condução em ≥ 1 nervo. O decremento da amplitude distal para proximal varia entre autores citados com valores entre 20 a 50%
  • Prolongamento da latência distal > 125% do LSN com amplitude distal > 80% do LIN ou;Prolongamento da latência distal > 150% do LSN com amplitude distal < 80% do LIN
  • Velocidade de condução < 80% do LIN com amplitude distal > 80% do LIN ou; velocidade de condução < 70% do LIN com amplitude distal > 80% do LIN
  • Prolongamento mínimo da onda F > 125 % do LSN com amplitude distal > 80% do LIN, ou; prolongamento > 150% do LSN com amplitude distal < 80% do LIN

 

 

III – Achados duvidosos em relação ao diagnóstico

 

Assimetria importante e mantida do déficit motor.

 

Disfunção vesical ou intestinal mantida.

 

Além de 50 mononucleares /ml no LCR

 

LCR evidenciado leucócitos polimorfonucleares

 

Presença de um nível sensitivo bem delimitado

 

 

IV – Achados que eliminam o diagnóstico.

 

Antecedente de abuso de hexacarbonos. (solventes voláteis, n-hexano e methyl-n-butil-cetona). Estes incluem exposição a vapores de verniz  ou hábito/vício de cheirar cola de sapateiro

 

Alterações no metabolismo das porfirinas, evidenciando o diagnóstico de porfiria aguda intermitente. Este quadro mostra excreção aumentada de porfobilinogênio e ácido d-aminolevulínico na urina.

 

Diagnóstico recente de difteria, faucial ou extrafaucial , com ou sem miocardite.

 

Intoxicação pelo chumbo com neuropatia. (paresia/paralisia dos membros superiores, com mão caída, podendo ser assimétrica ).

 

Diagnóstico definido de poliomielite, botulismo, paralisia ou neuropatia tóxica
(e.g. por : nitrofurantoína, dapsona ou compostos organofosforados) que, ocasionalmente podem ser confundidos com a síndrome de Guillain-Barré

 

 

  1. Hughes RAC (2002) BMJ 324: 466-469.
  2. Asbury ak e cornblath dr (1990). Ann Neurol 27(Suppl): 21-4.
  3. American Academy Of Neurology (1991). Neurology 41:619
  4. Nicolas  G et al (2002). Muscle e Nerve 25 :26
  5. Saperstein DS et al (2001). Muscle e Nerve. 24:311